Alimento quente por 1 real

Voltando aos 12 anos, de posse das revistas, salgados e dois maços de kirby branco, subi no 423 - Tinguá X Pavuna. Sentei em um dos bancos altos da traseira. Com uma visão mais ampla, conseguia perceber os detalhes do cotidiano que acontecia dentro do ônibus.

LIVROS

Descritor;

6/24/202516 min read

Bem, aqui estou novamente. Após equilibrar o monitor com sete livros velhos, achar a música perfeita, pôr o ventilador na direção exata

da brisa que entra pela janela. Realizar alguns movimentos

de yoga — só para garantir que o incômodo abdominal

não é um órgão prestes a romper.


— Se faço yoga e não dói, seja o que for, logo passa.

Ajustes feitos, recordo o questionamento pertinente: Por que

ainda não escrevi sobre o que preciso?


Eu sei, posso e quero fazer. Mas… não faço; isso começou quando eu andava com os de preto, ouvindo rock alternativo fumava e bebia, e,

aos quase doze, já pagava pelos meus custos. Por isso não aceitava

que ditassem minha vida — a resposta era a mesma para qualquer

adulto que ousasse me julgar por ter deixado a escola antes da quinta série. Repetia eu - “ Trabalho, pago o aluguel e compro comida ”

Isso inibia a continuidade da conversa.

Era assim, ou fome e desabrigo.

Ao entender a situação, se afastavam como quem sai de

perto de um cheiro desagradável, desejando dias

melhores. Por ter nascido nessa condição,

sem perceber, me habituei a ser criança

com responsabilidades de adulto.

Lúcia, minha mãe, em uma tentativa escabrosa, comentava como

quem soube educar: Aos 11, ele já sabe de tudo sobre a vida e sorria

com a tristeza de quem teve que aceitar a derrota. E se validava afirmando que a criação oferecida era de tão boa qualidade que aos 8,

eu já comprava o pão com o que ganhava nas feiras de sexta.

Nos anos seguintes em todos os bicos e trabalhos o destino do dinheiro era o mesmo, aluguel, luz, comida e água. Quando sobrava uns 30 reais, gastava com prazeres rápidos, daqueles que dopam o jovem classe C.

E na Pavuna-RJ, era escancarado:

Salgado, maconha e pornografia de fácil acesso monetário.

Próximo ao cine erotico, em uma esquina, havia uma banca de revistas, mas ali nada de Hermes ou Avon, eram publicações obscenas e usadas.
Um pequeno cartaz de papelão anunciava:

Revista erótica de segunda mão em bom estado de conservação.

Estamos na mesma época em que a Rede Bandeirantes, exibia o cine privê nas madrugadas, com títulos que por vezes beiravam a pornochada:

Emanuele do Espaço - Um Tesão de Outro Mundo.
Ano 2169, a nave
Orgastrom 7 sofre uma pane no sistema de aquecimento e começa a congelar no meio do espaço. Sem chance de resgate, á 11 meses do seu destino, os quatro tripulantes sabem que a única forma de gerar o calor que precisam para se manterem vivos, é o sexo.

Emanuele, a comandante, é pura luxúria cósmica, que ao lado do galã Max Vulcano, e, da corpulenta e elegante Dra. Nádia Kroks, que é assistente do musculoso nerd Dr. kulk Jhon, conduz a todos por uma jornada de prazer interestelar.
No espaço, ninguém ouve seu gemido... mas todo mundo sente o calor.

Era o Slogam para o sexo em gravidade 0. Não fazia sentido ver isso.

Nos dias de pagamento, eu ia pra banca. O dono, com seu boné cinza e olhar sisudo, me olhava como uma perturbação temporária. E reclamava baixinho - Mais um moleque pobre atrás de pornografia barata.

  • Eu era isso mesmo.


Além das revistas existia a pasta preta com capas de pôrno em VHS - espiava abrindo só de lado, para que não estivesse à vista de quem passava, pois os títulos eram quentes e marcantes:

Donas de Casa de Nilópolis: Suor, Sabão e Safadeza

Bonde das Tigresas Sentadoras: Cio na Floresta da Tijuca

Minha Tia Conheceu um Cara e Eu Fiz 18 — Alugue!

- Eu nem tinha videocassete.


Escolhia as 3 revistas, com menos sinais de uso, pagava os

R$ 10,00 e punha na sacola junto com alguns salgados,

que comprei e uma carrocinha perto do Sesc Meriti.

Naquele tempo eu não sabia, mas aos 14 conheci:

A lenda pavunense — que por economia,

fritavam os salgados de

um real em óleo diesel.

Rock e Frituras

Conheci a cozinha que fabricava esses

salgados quando trabalhei em um fliperama

na Pavuna. Ao precisar de fornecedores, indicaram

Dona Mirna, - afirmavam - é barato e não atrasa.

Fui até a antiga rodoviária, em frente a um valão podre que fedia ainda mais nos dias de sol. Após o portão da chapa, era intenso e pesado

o odor de gordura quente. Lonas amarradas em tábuas, calor forte,

rostos suados. Havia ali uma fina camada de farinha em tudo.

A coxinha fervia num caldo escuro e denso.

Um desconforto geral; panos cobrindo bacias,

olhares atravessados. Eu não devia ver aquilo.

Negociei com Dona Mirna. Na volta, vi as carrocinhas enfileiradas,

as mesmas que circulavam por São João de Meriti distribuindo salgado

com suco a R$ 1,00 (uma moedinha), quente e acessível.

O suco parecia laranja.

O pastel chinês de frango com ‘ catupiry ’era o mais vendido.
Aberto, exalava um aroma quente e suspeito,
recheado com uma pasta
branca indecifrável.
Não sei se realmente usaram óleo diesel para fritar, ou mesmo se isso
é possível. Talvez nunca saiba se a lenda é verdade ou não.
Se souber me conta no descritor@icloud.com

Voltando aos 12 anos, já de posse das revistas, salgados e dois maços

de kirby branco, subi no 423 - Tinguá X Pavuna.

Sentei em um dos bancos altos da traseira.

Com uma visão mais ampla, conseguia

perceber os detalhes do cotidiano

que acontecia dentro do ônibus.

Foi assim, que a vi, de pé se segurando

na barra do ônibus, havia lugares

vazios, mas ela não queria

sentar. Parecia querer
ver pelas janelas, tinha

um olhar apreensivo e fixo;

18 anos, vestida com um longo vestido verde que se estendia até os pés, com mangas até os punhos. Cabelo castanho cacheado preso, carregava com uma bolsa preta. Indo escondido para casa do romance proibido, que os pais religiosos nunca aprovariam por não pertencer ao ministério da fé.


Foi no curso de inglês, em frente a igreja da matriz que Rebeca conheceu Mateus. E como se o destino quisesse uni-los naquela pequena sala comercial, com infiltrações cinzas no teto antigo e amarelado, se sentaram lado a lado, abaixo do ventilador de teto. E pela proximidade casual viraram dupla para exercícios de dicção. Um deles consiste em ouvir e corrigir a pronúncia do colega, que por consequência precisa ter muita atenção ao modo do que é dito, e assim pode apontar as correções. Nesses casos, é preciso atenção a boca de quem fala.

Mateus, calmo e passivo, mesmo após o primeiro mês não conseguia se aproximar de Rebeca, que além do modo contido e baixo de falar, o respondia somente o essencial. Nunca perguntava nada, só respondia. A aparência e seus gestos tímidos, confirmavam a rígida religião de Rebeca, que exigia trajes fechados aos discípulos, e assim, ela se vestia com devoção e castidade - “até o pé.” . Sem maquiagem e adornos, Rebeca existia de forma controlada - como lhe permitam ser - executando todos os ditames da versão do cristianismo que lhe foi determinada ao nascer.

Na semana da prova oral, o exercício de dicção foi intensificado. Tinham ali 3hs de olhares trocados. Mateus animado, virou a cadeira em direção a Rebeca, e ao sentar leu Isaque na tela pequena do Motorola V3 de Rebeca que, em um desconforto nítido, virou o celular para baixo.

- Quer começar? - disse Mateus.
- Posso.


Enquanto Rebeca repetia as palavras que cairiam na prova, Mateus olha fixo para sua boca, e em dado momento, os olhares se encontram e, um pequeno sorriso surge entre ambos, seguido de um olhar intenso. Mateus percebeu ali a chance que esperava.

Isaque volta a ligar - O telefone vibra em cima da carteira, e como alguém que se livra de um incômodo, Rebeca o põe na bolsa.

Agora é Mateus e quem fala, e a primeira coisa que diz é:
"I’d love to take you out." - e sorri.
Eu adoraria te levar para sair.

Rebeca, que pela primeira vez pode conhecer um ímpio, sente-se enamorada. Sem saber ao certo o que dizer, sorri abaixando os olhos, em seguida, levanta o rosto com uma tímida afirmativa com a cabeça. E pede baixinho que anote seu número em seu caderno. Mateus preferia ter pego o número dela, mas diante do gesto inesperado, entrega a ela o cartão da farmácia em que é vendedor, na Penha-RJ. Rebeca guardou dentro da capa do celular, e na continuidade dos exercícios, entre um sorriso e outro ia se confirmando para ambos que estavam bem por apenas estarem pertos um do outro.

Ao final da aula, Rebeca pede baixinho, quase sussurrando perto do ouvido de Mateus, que atento ouve:
Não fala comigo fora da sala. Depois te explico.

Naquela noite de quinta às 21:26h, Mateus recebeu um sms no kitnet que alugou em Agostinho Porto - SJM.

Rebeca:
- Oi, antes de tudo. Por favor, nunca mande msg nem ligue. Sempre eu te chamo. Minha mãe pega meu celular enquanto durmo.
Você pode fazer isso - nunca me chamar?

Mateus:
Nossa que bom você aqui. Estava agora mesmo pensando no que aconteceu hoje. Foi muito bom estar com você, te ver sorrir.
Ok, não te chamarei.

Rebeca:
Também gostei de hoje. Sempre tive vontade de conversar mais com você. Meus pais conhecem os donos do curso, por isso não posso conversar lá.

Mateus:
Tudo bem, mas ao menos, podemos por aqui agora.
Rebeca:
É. Mas já tenho que ir. Só vim dar um oi…

Mateus:
Quero você. Me chama quando puder.
Rebeca:
Está bem. Boa noite.
Mateus:
Boa noite, Rebeca. Hoje vou dormir lembrando do seu sorriso.
Rebeca:

Após isso ela apaga as msg e o número de Mateus, e deixa o cartão embaixo do colchão, e dorme se sentindo boba por não saber como lidar com a forma que Mateus a faz se sentir.



A Verdadeira Fé
Ministério Apenas o Nosso Deus é Verdadeiro
Venha Para Igreja Ou Vá Para o Inferno
São João de Meriti - RJ

Rebeca, á filha da promessa, cresceu em um sistema de contenção social. Nem na escola ficou sem tutela. O colégio pertencia à igreja, o que facilitava seus pais organizarem por classe social e hierarquia eclesiástica as salas de aula. O que a fez conviver somente entre as famílias que têm lugares marcados nas primeiras fileiras do culto.

Aos 17, idade que os discípulos podem namorar, o pai diz a Rebeca que Isaque é a melhor opção, segundo o ele - o mais adequado. Por ser filho do 4º discípulo ancião, vindo de uma linhagem sem pecados; em um possível casamento a nossa família manteria a aliança entre os que aceitaram a Verdadeira Fé.


Então com mais curiosidade sobre como é namorar, beijar, tocar, pegar…, do que estar com Isaque, aceita que seu pai fale aos pais de Isaque.

Ela já ouvira das amigas, que ele tinha interesse nela, mas como não podiam conversar sozinhos - era uma das regras de convivência da Verdadeira Fé - o pouco que falavam era sobre as atividades do ministério.

- Se intitulam como: Os Que Aceitaram A Verdadeira Fé, os membros do
Ministério Apenas o Nosso Deus é Verdadeiro que desde da sua fundação em 1942, em São João de Meriti - RJ, exige padrões rígidos de comportamento e vida social dos participantes. Que convivem em uma pequena colônia onde o cotidiano segue o que é imposto pelo 1º discípulo ancião: Emeris Vieira - pai de Rebeca.

Dois dias depois, no portão de casa, Rebeca se despede do primeiro namorado do com um selinho. Um pouco feliz pela nova condição, naquela noite, se revira na cama, movida por pensamentos

que não deveria, mas tinha!


Isaque nem a tocava. Ela esperava algo mais íntimo, que ele ao menos tentasse. E pensava como se ouvisse a própria voz: ele nem a mão em mim tentou passar, papai nem iria ver, vidrado no jornal. Sempre o achei ele um pouco delicado, será que gosta de mulher? Onde já se viu, ficar falando sobre a fé, na hora do namoro - Rebeca sorria com seu condenável trocadilho sujo. Mas estava disposta a continuar, afinal era somente o primeiro encontro. Na próxima quinta ele volta. E dormiu esperançosa que o próximo encontro fosse mais sobre eles, e não sobre o ministério.

Mas, como a vida de Rebeca em tudo que fazia, sentia a releitura dos cultos. Ao final dos encontros sentia-se mais abençoada do que apaixonada.

No quarto mês, após uma difícil conversa com Joria, sua mãe, que leva a interpelação ao pai. Diante da infelicidade da filha, naquela noite expõe o aviso no quadro de avisos da colônia: O laço entre Rebeca e Isaque foi rompido. E por isso ambos se encontram em período de retenção relacional, não podendo iniciar novo relacionamento, pelo período de 222 dias. Eu confio na fé ( todos que liam repetiam ), Eu confio na fé.

Namoro esse que Isaque no terceiro mês, já chamava de noivado. O que incomodava Rebeca. Ele percebia o desinteresse, mas era a melhor oportunidade de avançar dentro da hierarquia da fé.

Rebeca passou os dias seguintes no quarto, dando a entender para o pai que permanecia em catarse e jejum. O pai, que era irredutível quando se trata dos fundamentos da Verdadeira Fé, e mantinha o mesmo vigor no cuidado com a filha, ao ver Rebeca
sentar-se no sofá onde assistia ao Jornal Nacional, abaixa o volume do Bonner, e passa ouvir atento sua filha falar sobre uma revelação espiritual. Rebeca fala a Emeris sobre aprender inglês, pois afirma que durante a reflexão matinal - que é o equivalente a prece cristã, com mais vigor vocal.


Rebeca que entendia sobre a vaidade do pai, usou as palavras certas para que ele desejasse ver a mensagem da , dita ao mundo, e em inglês! Por ela sua filha - A promessa. Na face de Emeris surge um sorriso vaidoso. Como pai da profecia viva, romantiza imaginando sua foto, vista por milhões, define que seu olhar deve ser punitivo mais bondoso. Abaixo terá escrito. A fé é a verdade. Será a face de Deus na terra. seu ministério conquistará o mundo, conforme soube na revelação da promessa: pelo o ventre de tua esposa sairá a voz que confessará a fé para o mundo, e abrirá os caminhos para Emeris implantar de nação a nação, a fé. Oficialmente ele é o enviado de Deus na terra, tudo se confirmava naquela noite. Extasiado, vê o divino no interesse de Rebeca, e após a ouvir, o pai se convence que a imersão é o modo mais rápido para aprender o inglês e um curso. Por ser para DEUS, precisa ser feito o quanto antes. Rebeca sempre preparada, já lhe entrega um panfleto que pegou na caixa dos correios de um curso na praça da Matriz. Ela que sempre teve curiosidade de como seria andar pelas movimentadas ruas de São João de Meriti sozinha. Tinha ali a oportunidade. Na segunda semana de Março se matriculou.

O limpinho da farmácia

Foi no mesmo mês em que Mateus alugou seu primeiro kitnet em Agostinho Porto. Um pequeno bairro de São João de Meriti, cortado por uma linha férrea, com casas de cores gastas, coladas umas nas outras, formando uma cadeia horizontal de moradias humildes. As ruas eram estreitas, com aquele tipo de iluminação típico da Baixada Fluminense: onde, por furto das lâmpadas ou defeito, uma parte fica iluminada e a outra em penumbra. Caminhando ali podia se ouvir pelas janelas abertas, a novela das oito, e um rap lento que ecoava como de fundo musical em toda rua.

Agora, empregado aos 22, em uma rede de farmácias. Mateus pensava: Com o salário mais comissão de 0,2%, de vendedor posso pagar aluguel, e viver sozinho. Criado no Parque Alian, um bairro pobre de São João de Meriti, um lugar onde os carros passam levantando poeira na rua asfaltada. Ele tinha uma certa repulsa de morar em uma das casas que beiravam poluído e fétido rio Sarapuí. Aos 7 anos, o menino tinha asco ao que parecia sujo. Sempre ganhava a estrelinha de uniforme mais limpo. Mateus se orgulhava do vinco na calça escolar. Filho de pais aposentados, como filho temporão, nunca deu muito trabalho. Se mantendo limpo e lendo estava satisfeito.

Cresceu interessado por vilões e super heróis de gibis, que podiam ser guardados apenas de uma forma. Primeiros os com serifa, por último os que ficaram sem. Postos em uma caixa de acrílico transparente o qual se orgulhava por mantê-la higienicamente organizada em seu quarto sempre impecável. Gostava de meias brancas com sapatos pretos. Sua mãe o incentivava a brincar na rua, mas não era o que ele queria. Para Mateus, se manter seguro e organizado sempre foi mais importante que ter amizades. Agora com carteira assinada e feliz por ser CLT, pode realiza um sonho antigo - aprender inglês para ver filmes sem legenda, jogar sem tradução, e o melhor, ler os gibis originais. E também poderia sair da casa dos pais, e assim ter a tão sonhada casa descontaminada, a limpahouse - era como ele a chamava. E já se imaginava jogando cloro em tudo, limpando e deixando brilhando, reinando sobre as bactérias com o rodo. Já fazia tempo que ele sentia que a casa dos pais não era mais o seu lugar, mas nunca teve grana para sair.

No dia de aula

Terça estava frio e chuvoso, enquanto muitos queriam continuar entre lençóis, Rebeca ansiava sair. Sorria escondido ao lembrar de como era fácil ficar bem ao lado de Mateus, ele não exigia nada. Ela desenvolveu com ele uma liberdade que antes nunca sentiu. Ao mesmo tempo que se sentia corrompida pelos pensamentos erotizados, de súbito, lembrou-se que seus pais e o próprio Deus, nunca a perdoaria, por pensar em tais posições.

A aula foi ótima. Ela deixou Mateus encostar a perna na dela, ele estava quente. Ela gostou do calor.


Na saída, ainda nas escadas:

- Vamos tomar um suco,- diz Mateus para Rebeca.

Não posso, meu pai conhece muita gente.

- Mas só quero conversar.

você não iria entender - enquanto falava Rebeca - lembrava

da voz do pai: Não fale com homens quando estiver sozinha, sua castidade social só pode ser quebrada por seu marido.

As discípulas da fé é imposto, que não devem ficar sozinhas com homens acima de 9 anos, mesmo dentro de suas casas, pais e irmãos não entram em um ambiente em que filhas e irmãs estão sozinhas. Isso preserva a castidade social, que é um dois três níveis de virgindade que representam para o marido a pureza entregue por DEUS no casamento; essa após rompida a mulher já não recebe o interesse dos discípulos de linhagens mais puras.

Bem, - disse Mateus, titubeante - senão podemos falar em público, não acho que aceitaria, mas, moro sozinho em Agostinho Porto. E prometendo que nada faria. Validava a segurança de Rebeca dizendo: É uma pequena avenida de kitnets, se falar perto da parede o vizinho ouve, e sorrindo, esperançoso, olha para Rebeca, e fica surpreso ao perceber que ela parece ponderar sobre, então, ela o olha, e determina: Na quinta faltamos o curso, e vou para sua casa. Anote aqui seu endereço, estou confiando muito em você. Mateus anota o endereço, pensando: será que ela vai mesmo?


Rebeca, se portava como uma mulher séria de fortes princípios. Somente aceitou ir na casa dele para conversar e assim não ser vista e denunciada por algum dos muitos fiéis de Emeris. Mateus com uma aparência farmacêutica, de gel no cabelo e pele hidratada, prometeu se comportar e respeitar.

Na quarta, terminou a faxina minuciosa no kitnet às 22:45. E dormiu sentindo o odor do pinho com cloro, pensando que amanhã naquele mesmo horário, já teria encontrado Rebeca.

Na quinta, Mateus saiu do trabalho e como todo bom conquistador clt 6x1, passou no supermercado Guanabara na Penha e, no crédito, em 2x, comprou, queijo, presunto, refri, suco, pão de forma, alguns chocolates, e um pequeno pote de manteiga de verdade. Era o luxo que o salário mínimo mais comissão permitia.

Já Rebeca, passou a noite de quarta inquieta, pensava na cama:

Será mesmo que devo ir? E se eu me trair e deixá-lo me tocar?

Já vou perder a primeira virgindade, se papai descobrir, ele me mata.
E dormiu, pedindo direção em uma prece baixa e murmurante.

Joria a mãe


Nas conversas maternas, Rebeca entendeu que o melhor era a constante indiferença às vontades que aos 14 começou a sentir. Fora do casamento é sedução demoníaca, que leva para caminho de morte. Por isso deve evitar o pensamento impuro. O que não pensamos não cresce em nós - Joria sempre repetia para ela.

O Casal a criou com uma rigorosa mordaça sexual, A Mãe, Joria, ensinou à filha que viviam em uma boa condição financeira porque seguiam rigidamente os ensinamentos da verdadeira fé. E que, se Rebeca usasse seu corpo para o prazer, por meio dela, a família seria condenada. Com a certeza de enviar toda a família eternamente para o lago de brasa, ela sentiu desejo de percorrer quente seu corpo inúmeras vezes, mas nunca se tocou.

A Visita na casa limpa


Ali, Rebeca, olhando pela janela do 423 Tinguá x Pavuna - precisava tomar uma decisão: Quero ou não esperar o casamento?


Enquanto buscava por um sinal divino que lhe conduzisse dentro da fé. Pensava, que já estava cansada de uma vida de restrições. Não acredita que Deus era assim tão vingativo como lhe ensinaram.


Lembrava das grandes oscilações no relacionamento dos pais, que já foram da traição à agressão, mas sempre tudo é culpa da intensa batalha espiritual, por serem eles, escolhidos de Deus, vivendo para mostrar a todos como vivem os filhos herdeiros do dono do ouro e dos diamantes. Nunca são eles, os culpados - sempre é o demoníaco agindo, ele, o inimigo, que os faz pecar. E após isso, pedem perdão com choro e exaltação, e clamam a Deus, por não serem tão fortes quanto o salvador. Após algumas horas de jejum e catarse, se sentem perdoados e agradecem o novo perdão concebido. E fica proibido de se falar sobre o que DEUS já perdou.


Será que ela não seria perdoada por estar seguindo seu coração? Cada pensamento trazia uma emoção diferente para Rebeca.

  • Enquanto passava por ela um camelô segurando uma caixa de papelão, oferecendo 3 barras de chocolate por 10 reais, e óleo singer por 2 reais.
    Percebi que ela se movia para descer.


Enquanto isso, Mateus fazia os últimos ajustes para que a pequena kitnet fosse um ambiente limpo nos detalhes. Limpou, até o vão onde corre a janela, com a minúcia que só um homem disposto a impressionar e transar pela primeira vez tem. Se conferiu no espelho, tudo raspado e dente escovado. O cheiro era bom.


Conferiu o banheiro pois aprendeu no Yahoo Fórum como conquistar uma namorada. O post dizia: Ao receber uma mulher em casa o banheiro deve ser dado a máxima atenção. É essencial estar higienizado e com um papel de boa qualidade. Compre o mais caro sem perfume, mulheres são seres sensíveis.

  • Rebeca puxou a cordinha do ônibus.


Acho que devo voltar - falou baixo para si mesma - ir sozinha para a casa de um homem que conheci há 4 meses. Onde estou com cabeça, era loucura que antes, nunca imaginei fazer.


Mas agora, arrebatada por esse sentimento livre e cru, desceu do ônibus, atravessou a rua e tocou a campainha da kitnet número 05 na rua central de Agostinho Porto.


Ao ouvir a campainha, Mateus, sem saber ao certo como fazer,
pôs a blusa e, no corredor, tentava manter a calma - ele esperava que sua virgindade não fosse percebida. Ao abrir a portão, se impressiona com a beleza de Rebeca, que com olhos grandes e negros, e um contraste marcante com sua pele branca sem maquiagem, ela abre um pequeno sorriso ao vê-lo, e entra, e Mateus sente o perfume doce e leve de Rebeca ao fechar o portão.

Eles agora só têm três horas, nesse primeiro encontro a sós.


Tudo era ficção? Pode ser. Ou não.


Desci no ponto da praça de Coelho da Rocha, atravessei a pela estação do trem. Andei por ruas sujas e molhadas entre pessoas apressadas.

Na casa da vez, vivenciava uma conhecida sensação em que, pelo menos até amanhã, tudo estava bem.

Foi assim que em uma sexta chuvosa e fria na Baixada Fluminense, tomei café com pastel chinês de frango com catupiry, enrolado num cobertor velho e cinza.

Me bastava.

Cigarros, TV e um filme bom às 21h.

Era esse o conforto que cabia.

E volto a pensar que preciso começar a escrever.